segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Damas invisíveis: Uma análise sobre os travestis e as transexuais

No baralho normal, existem 52 cartas. Entre essas dezenas, temos valetes, reis e damas. Essas últimas dão todo o charme do jogo de cartas, inclusive a dama de paus é comparada a uma figura bastante marginalizada em nossa sociedade. Trata-se do travesti, identidade considerada invisíveis por alguns indivíduos. Mas, assim como as cartas de um baralho, se não existisse a dama de paus em nossa sociedade, como completaríamos o jogo? Se existe a dama de paus em nossa sociedade, a transexual seria representada por qual carta do baralho? As pessoas geralmente confundem a dama de paus com a transexual, mas há diferença entre as duas damas. Aliás, não sei como representar a transexual nesse emaranhado de cartas, pois não há uma figura a altura dessa condição identitária. Vamos chamá-la de transexual mesmo para evitar confusões e o travesti permanecerá como a dama de paus, levando em consideração o livro Dama de paus: travestis no espelho da mulher, escrito por Neusa Oliveira, em 1994.

Uma das maiores ilusões relacionadas ao universo dos transgêneros é, sem dúvida, a suposta semelhança entre damas de paus (travestis) e transexuais. Muitas pessoas ainda acreditam que esses termos se referem ao mesmo significado. Outros preferem ignorar a existência dessas damas por puro preconceito e intolerância sexual. O que poucos indivíduos sabem é que não há sentido na semelhança entre os travestis e as transexuais. Antes de tudo, é fundamental esclarecer que transexualidade e travestismo não possuem relação com orientação sexual, ambos dizem respeito à condição identitária de um ser. Portanto, tanto os travestis, quanto as transexuais podem se afirmar como heterossexuais, bissexuais ou homossexuais. Então, não vamos observar em pesquisas de opinião, quando perguntados sobre a sexualidade, as opções de resposta transexuais e travestis.

Levando em consideração as informações encontradas na Wikipédia - enciclopédia livre (2007), transexual é “o indivíduo que possui uma identidade de gênero oposta ao sexo designado, normalmente no nascimento”. Acima de tudo, a transexualidade é um transtorno psicológico e muitas vezes precisa de auxílio médico para a realização da cirurgia de redesignação sexual (CRS), uma das soluções para este transtorno. Não se trata de uma escolha, mas de uma necessidade de adequação à identidade na qual esse indivíduo se afirma. Por isso também, a transexual se considera heterossexual, pois o objeto de desejo afetivo-sexual é por outrem do mesmo sexo biológico, mas diferente enquanto identificação sexual.

Enquanto isso, a denominação inicial para travesti como o indivíduo que se caracteriza com roupas e acessórios do sexo oposto para apresentação de shows e espetáculos se confundia com o comportamento dos transformistas ou dragqueens. Porém, o autor do livro Diferentes desejos – Cláudio Picazio – afirma que travesti diz respeito à “homens e mulheres que se identificam mais com o papel do outro sexo do que com o seu próprio, mas não o suficiente para desejarem passar por cirurgias. As razões para isto variam muito desde o fetichismo até dificuldade em adaptar-se ao gênero de nascimento”. Conforme a Wikipédia – enciclopédia livre, o termo travesti atualmente se refere principalmente à pessoa que apresenta identidade de gênero contrária ao sexo designado no nascimento. Mas, a diferença é que o travesti não deseja se submeter à Cirurgia de Mudança de Sexo, ao contrário da transexualidade.

Já que conceituamos o travesti, vamos desmistificar alguns imaginários no que diz respeito ao travestismo. Primeiro, os travestis não devem ser considerados como transexuais não operados. A maioria dos travestis está satisfeito com o órgão sexual que possui. Muitos ainda pensam também que não existem mulheres que se travestem de homens. Esse grupo é pouco expressivo em relação à quantidade de homens que se travestem de mulheres, mas existem. É interessante destacar que nem todos os travestis são homossexuais. Nesse caso, incluem-se os cross dressing, ou seja, homens que se vestem de mulheres por prazer e essa ação não altera o desejo afetivo-sexual pelo sexo oposto. Por último, nem todos os travestis são profissionais do sexo, apesar da marginalização da sociedade em relação às “damas de paus”.

Só para concluir, o travesti e a transexual são condições identitárias diferentes. No âmbito teórico, é fácil fazer esta distinção. Porém, na prática, deve se considerar de que maneira cada indivíduo se afirma enquanto identidade sexual. Leokret, eleita vereadora em Salvador na última eleição em 2008, é um bom exemplo para esse caso. A ex-dançarina, apesar não ter se submetido à Cirurgia de Mudança de Sexo, se afirma como transexual. As pessoas podem designá-la como um travesti, mas a sexualidade só se constitui a partir da auto-afirmação de cada ser. É necessário também não confundir, pois a transexual deseja ser considerada uma mulher, inclusive no registro de identificação. O fato é que o travesti, muitas vezes, não almeja isso pelo fato de utilizar o órgão que caracteriza o gênero de nascimento. Ainda sobre o travestismo, o indivíduo que se traveste não se considera mulher ou homem, mas um travesti. Para confirmar isso, Keila Simpson - presidente da Articulação Nacional de Travestis, Transexuais e Transgêneros (ANTRA) - disse durante a entrevista do Programa do Jô em 03/09/2008 que “não quero ser mulher. Quero ser o que sou. Quero ser travesti”.

Espero que essa análise simplista tenha auxiliado para diferenciar as damas consideradas invisíveis e tão marginalizadas pela maioria dos indivíduos. Viva os travestis e as transexuais, identidades que compõem e ilustram o universo LGBT!!!

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