terça-feira, 14 de outubro de 2008

Tolerância zero para o jornal Tolerância Zero


Gostaria de fazer uma séria crítica ao jornal (foto acima) - se podemos chamá-lo assim - Tolerância Zero do mês junho/julho de 2008. O impresso, em sua primeira edição, traz a seguinte manchete: Cocaína causa impotência, loucura e homossexualismo. Isso mesmo! Você não leu errado: homossexualismo.

Quando recebi o exemplar do Tolerância Zero e li esse título, pensei: “Qual o fundamento para se afirmar isso?”. E fui ler o restante da matéria com esse pensamento, pois não é o vício de substâncias entorpecentes que vai determinar a homossexualidade de alguém. É interessante também ressaltar que o jornalista que escreveu/editou a matéria sequer teve a preocupação de utilizar a nomenclatura correta para aquele indivíduo que se relaciona emocional ou sexualmente com outro do mesmo sexo. Até porque, desde o final da década de 60, a Organização Mundial de Saúde (OMS) determinou a substituição da palavra homossexualismo por homossexualidade, pois a primeira remetia a doença ou patologia; enquanto a segunda se refere à sexualidade.

Voltando a leitura dessa infeliz reportagem, num determinado momento da sexta página do jornal, leio o seguinte parágrafo: “A cocaína, se não for estacionada ou abandonada em tempo hábil, leva o usuário, principalmente o homem, para três tipos de catástrofe (sic): impotência, loucura e homossexualismo”. Ou seja, em síntese, o jornalista, nesse discurso, afirma com todas as letras que a homossexualidade é uma das três catástrofes que o ser humano sofre ao utilizar a cocaína sem controle. Podemos acreditar numa afirmação tão infundada como esta?

Num subtítulo relacionado à manchete principal, o jornalista utiliza a opinião de Artur Tomanik, médico especialista nesse assunto. Parafraseando o último parágrafo do texto Sinal vermelho, a fatalidade, “Para o médico Tomanik, o homossexualismo, sem generalizações, ocorre em 80% dos casos, após longo uso da cocaína, quando o usuário perde totalmente a ereção, tornando-se incapaz para uma relação normal até mesmo com o uso de Viagra. E pela vivência, Tomanik constatou que grande parte desses usuários não seguiu orientação médica quando a procuraram, passando a ter relações homossexuais, na condição de passivo, em festas de embalo, principalmente orgias regadas com grande variedade de drogas e álcool, como tem ocorrido com artistas, políticos, empresários de expressão e intelectuais famosos. E quando isso acontece – assegura o médico paulista – nada mais pode ser feito. O caminho, nesta fase, é a UTI de um hospital, e, depois uma invalidez por tempo indeterminado, fechando a trajetória, claro, na sepultura”.

Não precisa ter muito conhecimento sobre dependência química ou homossexualidade para afirmar que isso não procede. Aliás, quero saber de onde Vicente de Paula – o repórter que assinou o texto - retirou esses dados, pois os desconheço. A homossexualidade é algo natural, ou seja, não é o consumo excessivo de drogas ou a disfunção sexual do homem que vai determinar a mudança de sexualidade desse indivíduo. Desse modo, o indivíduo não se torna homossexual. Ele nasce com a sexualidade dele definida. Portanto, só essa argumentação é suficiente para quebrar a defesa de tese do doutor Tomanik.

Outra pergunta que quero fazer diz respeito aos famosos que se tornaram homossexuais após o consumo de cocaína. Sinceramente, eu não conheço um político, ator, cantor ou empresário de sucesso que passou por essa situação. Então, como o médico pode dizer que muitas celebridades passaram por isso? Poderia também levantar vários outros questionamentos acerca dessa citação, mas acho que já deu para perceber a falta da verdade desses comentários.

O fator que mais me preocupa em relação a esse texto se refere à difusão desse discurso dentro da população soteropolitana, o que acarreta na construção de estereótipos e imagens deturpadas a respeito da homossexualidade. Essa matéria fere também com a premissa fundamental da atividade jornalística: a construção da reportagem a partir da veracidade dos fatos. Por isso, questiono a qualidade desse veículo de comunicação, pois divulga matérias sem haver nenhuma verossimilhança com a realidade.

Se nós desejamos construir uma sociedade democrática e mais justa com as diferenças, devemos denunciar todas as vezes que presenciarmos casos como o do Tolerância Zero de intolerância ou desrespeito com o grupo LGBT. Dessa forma, vamos contribuir para o término do preconceito na sociedade e modificar imaginários no tocante à homossexualidade.

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